terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pierre, aquele que (quase) morreu em vão.

Pierre era um galo bonito, esverdeado. A crista era achatada, como se fosse uma boina. Daí o nome. Deu várias ninhadas e, como acontece no reino animal (que não sofreu a separação edipiana e, consequentemente, o processo civilizatório), passou a sofrer com a provocação dos filhos. Não havia dia sem que Pierre não apanhasse feio, ficasse todo lanhado e sangrando. Apiedados, nós humanitários, resolvemos abatê-lo. Como a maioria dos seres humanos, revestimos esse ato de um complexo ritual. Pierre, em honrarias, seria transformado em um coq au vin. Fiquei encarregada de comprar os apetrechos e configurar a receita. Mas cometi um erro profundo. Motivada pela minha usura (segundo M.) ou pelo meu saudosismo (da época em que consumir vinho que deixava a boca roxa era até chic), comprei um Sangue de Boi. Sim, aquele, que ainda existe nos supermercados. Ao abrir e cheirar o vinho (?), descobri que submeter o falecido Pierre a tal condimento seria antes que uma justa homenagem, uma afronta. O que fazer? Pierre já estava descongelado, preparado para o molho. Improvisei. Temperei com ervas, alho e cachaça (da boa) e transformei o coq au vin em um galo caipira. Afinal, apesar da boina, Pierre nasceu e viveu por essas paragens. Nunca conheceu os ares franceses e foi brevemente feliz em solo caipira. O resultado foi agradável. Uma despedida adequada para um bom galo. Ave Pierre! Nós, que aproveitamos, te saudamos!.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

As velhinhas

Estavamos conversando eu e minha amiga Cláudia D. sobre a propaganda das havaianas que saiu do ar e foi para o youtube , e sobre a caretice das pessoas, quando ela lembrou de uma história de sua mãe. A mãe da Cláudia, italiana e bem religiosa, tinha umas idéias muito interessantes sobre a moral e os costumes. Como quando foi assistir à peça Closer com seu grupo de terceira idade. No retorno comentou com a filha: "o problema foi quando voltávamos no ônibus. Todo mundo falando sobre a cena em que eles escrevem sobre sexo com aqueles palavrões. Até que uma disse: devíamos ter saído na hora, para mostrar nossa indignação. E eu pensei: vexame um, levanta uma fila inteira de velhinhas e sai do teatro. Bem, eu podia não ir, mas daí iam ficar todos do teatro me apontando e pensando: olha lá a velhinha sem vergonha..." De outra feita, ela foi assistir ao Decameron e saiu concluindo: "agora eu sei a diferença entre erotismo e pornografia. Essa peça, por exemplo, tem um monte de gente pelada se esfregando e é engraçada e boa. Quando é pornografia só tem um monte de gente pelada se esfregando e não é bom, nem engraçado."

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Tem dias

Esquisitos. Tem dias que são esquisitos. Hoje, por exemplo. Começa que é o primeiro dia da primavera e chove, chove. Nublado, pesado, plúmbeo mesmo. Em vez de cores, cinzas por todos os lados. E nada parece caminhar, andar, desenrolar. Tudo meio travado, do trânsito ao pensamento. Tão estranho que nem as boas notícias caem bem.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Admirável mundo novo

Qualquer um que se refira ao mundo de hoje como "Admirável Mundo Novo" já insinua a idade, a crença e a leitura, se bem que pouco usada hoje em dia para metaforizar esse caos que marca a nossa existência. Talvez pq, apesar das controvérsias éticas em torno da questão genética, nosso mundo novo tem mais a ver com a questão do grande irmão. Bem, mas não é propriamente o que me interessa já que há séculos abandonei a paranóia sobre a observação. Que me vigiem a Cia e os extraterrestres, que diferença fará? Estou mais interessada nas novas formas de sociabilidade virtuais. Blog, facebook, orkut, twitter, linkdn e agora um tal de netlog. E eu em todos, ou quase. Nunca aderi ao MSN e confesso que tenho entrado no Gmail invisível, pq todas as vezes que estou visível acabo tendo que responder a milhares de perguntas de alunos sobre tudo o que me diz respeito. O que não é pouco. Enfim. De resto adoro a possibilidade de falar, mesmo que de forma fugaz, com tanta gente que está distante. Ou quase, considerando-se que em Sampa quem mora ao lado pode estar longe. Mas admito que estou meio atordoada com a quantidade de informações que recebo desses ambientes. Além dos convites para causas e etc, agora resolveram em adicionar a uma máfia. Assim, simplesmente. E ninguém me explica o que eu devo fazer ou deixar dê. E tem também uma fazenda, ou algo do gênero. Nessas horas descubro-me muito desatualizada. Minha linguagem é semi virtual. E eu sou semi moderna. Semi urbana. E sem saco, vamos ser explícitos, para tanta coisa ao mesmo tempo.

domingo, 20 de setembro de 2009

Como é que é?

Assim ó. Um empreendimento imobiliário na Granja Viana (em Sampa) desmatou uma área enorme de mata nativa, habitat de animais em extinção, como mostra o site do Proam. Apesar de acostumados a rapinagens gerais em terrenos no local, a coisa foi tão assustadora que os moradores dos arredores resolveram protestar. Protesto vai, protesto vem, a tal incorporadora (famosa pelos empreendimentos de alto padrão e pouca vegetação), resolveu contra-atacar explicando que o tal condomínio é super legal, vegetal, verdinho mesmo. Que a área desmatada será depois recuperada quase que de forma dobrada. Alguém aí entendeu a lógica? Desmatar para depois preservar? Em dobro? Eu não consigo acompanhar o raciocínio. Deve ser de comer muita alface com agrotóxico. Enfim. Espero que eles coloquem o processo revolucionário que inventaram no domínio público. Vai ajudar um montão de gente que quer recuperar áreas degradadas. Mas, do jeito que as coisas são, devem patentear. E a gente só vai poder usar essa metodologia daqui há alguns anos. Pena né?

Terapia no domingo

Faço terapia desde os 23 anos, apesar de no momento estar num daqueles intervalos que só voltando para a terapia para entender. O resultado deste longo processo é um razoavel conhecimento das próprias neuroses, incluindo aí a onipotência e a necessidade de controle, aliás bastante interligadas. Enquanto a onipotência dá aquela sensação extasiante de poder fazer tudo, a necessidade de controle angustia e tenta criar condições para que o fazer-tudo quase se faça. Quase, pq nunca dá certo. E essa é precisamente a vantagem da terapia: ter aprendido que, se não consigo deixar de lado as neuroses, pelo menos não devo ficar me lastimando muito quando o óbvio acontece. Bem, tendo isso em mente neste domingo dividido entre trabalhar, trabalhar e cuidar da casa (o que já não tem a ver com as neuroses citadas, mas sim com a ascendência em virgem, dizem os especialistas de outra área), fico me perguntando pq não consigo repetir uma única vez uma mesma receita? Pq minha cozinha parece o rio de Heráclito, um comensal nunca provará do mesmo prato duas vezes? Se tenho que manter tanto controle sobre tudo, como não consigo realizar um simples processo de padronização dos procedimentos na hora de fazer pão, por exemplo? Ou farofa? Ou fritar ovo? Essa característica errática tem a ver com uma necessidade interna imperiosa de quebrar regras o tempo todo? Logo eu, adepta das regras? Será um desafio inconsciente constante ao meu superego superlativo? Acho melhor voltar para a terapia. Ou para a cozinha, vá lá.

sábado, 19 de setembro de 2009

Sabadão

Eu descobri que sou uma pessoa sem sábado. Pq se eu não trabalhar no sábado, a semana fica um inferno. E o que é pior: eu sempre fico meio estranha no sábado. Sabe como é: trabalho, trabalho e um monte de outras coisas. Hoje, por exemplo: levei o maridão de madrugada no aeroporto, depois fui no feirão de fábrica da GM, depois fiz supermercado e, não contente, desliguei o freezer para limpar depois. Aí já viu, milhões de coisas para cozinhar, arrumar, picar, guardar em outro canto. Resultado: amanhã teremos chester e pão de pinhão, com couve de algum jeito (ainda não sei qual), mais pimentão assado e arroz de forno. Sem falar na pasta de shiitake. Considerando-se que talvez só eu almoce em casa, terei que lavar o freezer no domingo. Senão, como vou guardar o resto dessa comilança? E pensar que eu escolhi a vida acadêmica... Bobagem. Devia ter me especializado em artes domésticas. Muito mais criativas, de certa forma compensatórias e, se bem feitas, talvez melhor remuneradas. E eu podia estudar filosofia à vontade. Só por diletantismo, como um bom filósofo...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Briiigado

Em Montevideo, sem perceber, começo a portunholar. Inconsciente. Do mesmo jeito que, ao telefone, passo a tutuzar: verbo que significa falar com o uso do Tu, pronome comum na ilha de Santa Catarina e que eu, paulista de Florianópolis, só emprego quando falo com minha mãe ao telefone, ou quando encontro com a Marcia -- daí a tutuzeira é braba. Bem, em Montevideo o negócio é portunhar. Ou melhor, portunharabizar. Porque, segundo o maridão, passei a falar obrigado que nem o Maluf: briiigado. Cada um com o sotaque que merece...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Novamente no aeroporto

Viajando para Montevideo. Um final de semana com o maridão. Antes de fazer o check-in o funcionário da empresa aérea dá as instruções de praxe sobre o que levar e o que não levar na mala e na bagagem de mão. Como é vôo internacional, líquidos e cremes só até 100 ml, em saco plástico adequado (até aí tudo bem, como já tive que jogar muita coisa fora, consegui aprender). Ele pergunta se tenho algo assim, lembro que guardo na bolsa um frasco de hidratante no qual coloquei álcool em gel -- no início da paúra da gripe suína. Mostro e ele diz: tudo bem, não foi manipulado, é só colocar no saco plástico. Eu argumento: mas foi, eu que coloquei o álcool. A essas alturas o marido olha feio e o funcionário finge que não escuta e me corrije: como não foi manipulado (só faltou me cutucar). Engulo em seco. Mais uma daquelas em que deixo o espírito escoteira me sabotar. Por via das dúvidas, joguei fora o frasco. E tive que ser tutorada no preenchimento dos papéis da alfândega, proibida terminantemente de marcar sim na opção "esteve em alguma propriedade agrícola nos últimos 15 dias?" Ué, e o sítio não conta? Tudo bem, eu não ia há mais de duas semanas mesmo...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Injustiça

O mundo é muito injusto mesmo. Eu acho que mereço mil homenagens, mas ninguém pensa como eu. E quando finalmente isso acontece (os alunos me escolheram como professora homenageada em sua coleção de grau) eu não posso ir. Viagem marcada, intransferível. Pode?

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Dilemas éticos

Estava eu num bar em Curitiba com a Márcia B. quando avistei, saindo do bar, o Flávio, marido da minha grande amiga Grace. Corri para alcançá-lo, mas me atrasei por conta das pessoas e da falta de espaço. Nisso uma loira alta passa e abraça o Flávio por trás. Como minha amiga Grace é tudo menos alta, gelei. E agora? Faço o quê? Será que ele anda aprontando? Será que não é nada? Vou conferir? E se eu conferir e for algo, conto prá Grace? Tudo isso em alguns segundos arrastados. Um baita problemão, que eu resolvo com o coração apertado (afinal o Flávio também é meu amigo). Vou sair, ver o que se passa e, na pior das hipóteses, deixo ele bem sem graça com a minha presença. Resolução tomada, resolvida temporariamente a questão, alcanço o Flávio e a loira. Nisso a Grace em pessoa, que já estava na rua, me vê e grita: "querida, tu por aqui!". Abracei a baixinha e quase chorei de contentamento. Daí contei para os dois e para a loira (Helena, a filha do Flávio que eu não via há anos...) todo o dilema ético que eu vivi naqueles segundos. Grace e Helena riram um monte. Flávio ficou passado. E eu, bem, aliviadíssima de não ter que pensar no assunto. Ufa.

Mais da Manca e da Panca

A Panca é talvez a única pessoa que, em vez de fazer a prova para tirar a nova via da CNH, preferiu fazer as três aulas. Começa que chegou no curso com papel e caneta, pronta para as anotações. Só ela, claro. Nem a professora tinha papel e caneta. No final do processo, ela aprendeu uma coisa super importante: como dormir de olho aberto. Fundamental.
A Manca, que também não regula, interessada questionou a amiga sobre o aprendizado dos primeiros socorros: "vc sabe o que fazer ao encontrar alguém acidentado perdendo sangue em jato?" A Panca sabia: "a gente põe o dedo no furinho...".

Aventuras da Manca e da Panca em Curitiba

A Manca no boteco discursando sobre Heráclito e a impermanência, quando a Panca pergunta:
"o que tem nessa cachaça?" A Manca responde: "não sei, só sei que se chama Germânia". Ao que a Panca conclui: "Caetano tinha razão. Filosofar, só em alemão mesmo".

domingo, 6 de setembro de 2009

Rapidinhas

A Manca disse: sou errática.
A Panca respondeu: e eu sou corréctica.
Coisas da Panca, que pode não ser corréctica, mas é rápidica de raciocínio.

Aventuras da Manca e da Panca

A Manca e a Panca foram para Curitiba. Depois das inúmeras reuniões e conchavos, resolveram passear. É claro que estava chovendo e as duas não tinham sombrinha.

Mas foram. A Manca correndo, apesar de claudicante, e a Panca no passinho dela -- bem curtinho, devagar e sempre. A Manca enganou a Panca e a fez andar um montão. A Panca só reclamava, mas andava, andava, andava. Foram na feira, compraram coisinhas e a Manca ganhou da Panca um boné. A Panca ganhou da Manca um colar e, assim ornadas, foram ao Museu. A Manca entrou e, na entrada, sem querer arrebentou a fechadura do armário que a segurança tinha indicado para guardar as milhões de sacolas. E andaram mais e mais e mais. A Panca reclamando e devagarinho, devagarinho. Uma hora elas entraram na sala dedicada a um artista local. A Manca virou pro lado e, cadê a Panca? No Museu, ela corria, corria. "Claro, não gostei", esclareceu quando foi, finalmente, encontrada.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Cadê meu alaúde? Parte 4, ou A Derradeira

Nossos valentes paulistas, tendo rejeitado a tentação do inominável, seguiram confiantes que o companheiro os acompanhava. Qual não foi sua surpresa quando, ao olharem para trás, não viram nem poeira de Silvio. Logo em frente encontraram o resto da comitiva que saiu a galope para salvar o insensato. Não conseguiram. Voltaram todos, agora quatro, sem notícias do tentado pelo coisa ruim que, com certeza, embrenhou-se pelo cemitério. O que foi feito dele? Essa é outra história. O que se sabe é que foi a primeira e a derradeira vez que acompanhou a cavalgada. Meio chateados com a perda, mas também culpando o temerário, os cavaleiros voltaram para o caminho e, num passo curto pelo cansaço dos cavalos, trilharam os 15 quilômetros que faltavam para o momento da separação. O primeiro a pegar o caminho solitário foi o Rapaz. Logo em seguida, ficou Nino em sua casa. E os paulistas, que moravam oito quilômetros depois, seguiram sozinhos, exaustos, com frio, mas também certos de terem provado serem tão valorosos quanto os filhos de Cunha. Certos de que de agora em diante, também merecem esse reconhecimento. No dia seguinte Comendador acordou cedo e, satisfeito, foi espalhar seus feitos nas redondezas. Só para descobrir que, naquele momento, já se comentava que os agora novos cavaleiros de Cunha tinham feito bonito.

Cadê meu alaúde? Parte 3

A noite era de lua pela metade, mas clara como só o céu de Cunha comporta. Tão clara que se via a sombra dos cavalos e cavaleiros, cansados, mas felizes com a cavalgada. Alguns mais felizes que outros. Como já dito, Silvio bebeu todas as pingas que o padre não viu, apesar das admoestrações de Nino em contrário. Era a primeira vez que ele acompanhava a comitiva. Era o teste para ver não se aguentava o tranco, mas se conseguia aguentar sem a cachaça. Rapaz ficou atrás para controlá-lo, mas ou não teve pulso e não quis contar, ou coisa pior. Tanto que os cavaleiros acabaram formando dois grupos de andança. Nino e os paulistas na frente e os filhos de Cunha atrás. Em certa hora o cavalo de Nino mostrou que, apesar do dito, tinha balda sim. Refugou e exigiu pulso do seu cavaleiro. Virou para trás e juntos, cavalo e cavaleiro, atingiram a amazona que os seguia colada. Esta, por sua vez, montada no tordilho bom de boca, conseguiu safar-se sem muita quebra, apenas com uma escoriação no joelho, por sorte o são. Seguiram os dois grupos pela estrada enluarada. O primeiro esperando o segundo, que insistia em parar de bar em bar. Lá pelas tantas, Rapaz cansou da romaria e alcançou os da frente. Por algum motivo, talvez até compaixão, os paulistas acabaram encurtando o passo, esperando Sílvio. Esse foi seu erro. Nem a lua forte conseguiu impedir os três na retaguarda de duvidarem do caminho. Nino e Rapaz iam longe e atrás só Silvio podia afirmar se a estrada era mesma aquela. Lá pelas tantas, os três pararam, perdidos. E os paulistas descobriram que Silvio não falava mais coisa com coisa. Comendador ainda insistiu, tentou fazer o Silvio ver a razão, mas suas palavras caiam no gelo da noite. Para piorar, a parada se deu em frente ao cemitério das abóboras. E o filho de Cunha, atiçado pelo coisa ruim, propôs que encurtassem o caminho margeando os jazigos. Os paulistas, que dos casos de assombração de Cunha já estavam avisados, recusaram e seguiram caminho.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Cadê meu alaúde? Parte 2


Na Saá Mariinha, vidente curandeira, os cavaleiros paulistas ficaram inquietos. Não estavam acostumados à missa tão longa, ao padre repreendendo, aos sinais de silêncio. O comendador desconfiou da apropriação que considerou indébita. Desde quando Saá Mariinha pertencia à Igreja constituida? Também estranharam a falta de lixeiras, verdade seja dita. Como intrépidos cavaleiros, porém, dispostos a serem reconhecidos como aos filhos de Cunha, apreciaram o churrasquinho, apesar de não tomarem da cumbuca santificada de que todos tomavam. Não conseguiram deixar de lado sua crença na gripe suína. Mas comeram algodão doce, pipoca e quetais. Ouviram os violeiros e aprovaram o leilão de frango assado, pernil e bolo. O comendador, especialmente, lutou bravamente com seus lances para arrematar um frango, mas acabou deixando perder a contenda. Não por receio, mas por respeito ao ancião que com ele disputava. Gostaram dos ditos e das conversas, mesmo preocupados com os cavalos. Principalmente a amazona paulista, que tinha lá suas esquisitices no trato dos animais e insistia que o Lovato, seu cavalo tordilho, estava com muita sede. Posaram para fotos, como essa com a amazona e o Nino, ambos preocupados que a lente capturasse suas almas. Ficaram até o sol quase se pôr e daí forçaram a volta, que não foi muito bem recebida pelo Rapaz e por Sílvio, esse já tomado pela cachaça escondida do padre. Novatos, bem que queriam ficar na festa, que estava começando a esquentar. Mas Nino impôs sua autoridade e todos se foram, deixando para trás as conversas e as promessas a Saá Mariinha, vidente curandeira que nunca negou a fé do povo de Cunha. Resolveram voltar pela estrada de asfalto, que a trilha se mostrava mais longa e a noite prometia frio.

Cadê meu alaúde? Parte 1

Oito horas da manhã. Os cavaleiros de São Paulo seguem destemidos para seu desafio: a cavalaria até Saá Mariinha das Três Pontes, vidente curandeira que nunca negou a fé do povo. Mas no íntimo temerosos de que a árdua cavalgada sobre trilhas e encostas não lograsse o verdadeiro intento, garantir um lugar junto aos bravos cavaleiros de Cunha, traquejados na lida do campo. A idéia era antiga. O cavaleiro paulista, comendador, homem grande e de boa índole estava no seu íntimo cansado das dúvidas que lhe lançavam, nunca diretamente, os amigos daquela vila distante. Desacostumados com seu tamanho, duvidavam de sua capacidade como cavaleiro -- e mais ainda do seu cavalo. Disposto a provar seu valor, convenceu sua companheira, que apesar de mais leviana, também ansiava por calar os murmúrios de dúvidas, já que naquelas paragens, mulher não cavalgava. Com o céu mais azul que se possa descrever, seguiram os cavaleiros seu caminho, recolhendo companheiros na passagem. A maioria dos comprometidos abandonou a viagem. Só restaram os cavaleiros paulistas, seu fiel companheiro Nino, acompanhado do Rapaz e o Sílvio, que pela primeira vez seguia a comitiva. Na casa da Cida, última parada antes da parte mais íngreme da jornada, só ouviram a desdita: "vão aguentar? gostam de caminho difícil?". As desconfianças só reforçaram a vontade dos cavaleiros paulistas que seguiram seu rumo em direção à Catioca. Encostas, trilhas, pastos, estradas antes nunca cavalgadas. O comendador paulista seguia na frente, impávido, O tempo passando a passo de cavalo e o sol a pino. Duas da tarde, finalmente, os cavaleiros paulistas e filhos de Cunha chegam ao destino: o casebre de Saá Mariinha, a pequena capela e a Igreja improvisada. A festa já corria solta, com o povo amontoado, uns rezando, outros proseando. E alguns desgarrados bebendo no bar adiante, aquele que o padre nunca consegui proibir, mesmo tão próximo do lugar santo.

O dia em que o Gmail parou

Faz mais de vinte minutos que eu tento e nada. O Gmail responde impassível: Error. Tente novamente. No começo pensei que era coisa só comigo (não consigo me furtar a uma boa e velha mania de perseguição). Depois entrei no twitter e descobri que a Caru também acusava o problema. Ufa! Se não é só comigo, pode ser que eles consertem logo, certo? Errado, nada do Gmail e eu não sei o que fazer sem ele. Até as tarefas do dia estão armazenadas no novo Tarefas. Sem o Gmail eu não existo. Não tenho mais arquivos, não sei como falar com as pessoas, não lembro o que tenho que fazer e não tenho como fazer qualquer coisa, pq está tudo lá. Simplesmente tudo. Até os documentos, no google docs. Faz-me refletir sobre o sentido da dependência. A auto suficiente total dependendo de uma entidade, de um ser não vivente, indefinido, onipresente, onisciente e controlador. E eu que achava que tinha perdido meu vínculo com a religiosidade...

Cavalaria

Dessa vez foi muito. Cavalaria para acompanhar a festa da curandeira vidente Saá Mariinha. Longe pacas. No total, ida e volta, 11 horas e 15 minutos no lombo do cavalo. Oitenta quilômetros percorridos, num dia lindo com um céu de um azul indescritível, por trilhas e estradas desconhecidas. E a volta em uma noite tão enluarada que fazia até sombra. Um frio de rachar. Com direito a parada em frente ao cemitério, conversa de assombração, gente perdida na volta e muita dor nos quartos.