quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Compenetrado

Os alunos entregaram os trabalhos e a aula acabou mais cedo. Fico na sala dos professores, esperando a hora do ponto. Eu e outros. Entre nós, lá no canto, sentado sozinho na mesa, está um homem compenetrado. Computador, caneta na mão fazendo anotações e fones de ouvido. Quase virado para a parede, não levanta e olha em volta. Trabalha, ou ouve uma carta de amor, não dá para saber. Só que ele está completamente absorvido pelo que faz. Eu por outro lado sento, levanto, tomo café, tento ler. Leio e deixo o livro de lado. Derrubo o livro. Levanto novamente, penso na vida. No sofá, no seguro do carro, nas reclamações do meu filho, nas tarefas das aulas, no relatório de iniciação científica, nas reuniões, em projetos possíveis, em situações que estão se tornando impossíveis. Que gostaria de emagrecer, mas não consigo me disciplinar. Penso em livros para escrever, organizar e em coisas que desejo aprender. Enquanto isso, o homem continua lá. Impassível. Na mesma posição. A única coisa que move é sua caneta, correndo no papel vez ou outra. Ele lá, compenetrado. E eu do outro lado, desassossegada. Sua compenetração é tanta, que afronta minha incapacidade de ficar quieta.

sábado, 25 de setembro de 2010

Cães e gatos

As vantagens de ter cães e gatos em casa: além de não sobrar muita comida, facilita a limpeza quando a gente derruba no chão um prato cheio de frango com molho. Depois deles é só passar um pano com desinfetante. Não sobra migalha nem pra contar. Mas tem umas coisas que são um pouco incomodas. Como tropeçar na gata que insiste em rodar nas tuas pernas. E ter que pular quando o cachorro resolve brincar com a gata-enrolada-nas-tuas-pernas e ela, por usa vez, resolve unhá-lo (típico de gatos). Ou sentir-se observada e perceber que sim, vc está mesmo sendo obsevada atentamente por uma gata sentada na porta do banheiro. Ou acordar e ter que abrir a porta para o cachorro que não aguenta movimento dentro de casa sem dar uma olhadinha no que acontece. O bom é que aqui em casa pelo menos uma coisa funciona: o horário de dormir. Lá pelas dez horas eles estão pingando de sono, é só chamar que os dois marcham para as respectivas camas -- que ficam na varanda, lado a lado.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sala dos Professores

Intervalo.
Vai e vêm na sala dos professores. Gente trabalhando nas mesas, gente aproveitando para ver e-mails.
Coordenador de curso sentado no sofá, olhos semicerrados.
Professores bebericando café e colocando o papo em dia no outro sofá.
Entra um professor, senta-se pesadamente ao lado do coordenador, olha e avisa: "se aparecer um pai de aluna reclamando que eu mandei visitar uma exposição que tem pinto, segura a onda!"
Depois dizem que ser coordenador é bom.

domingo, 12 de setembro de 2010

Mente Criminosa

Em casa eu tenho um cachorro, um Lhasa Apso, chamado Sansão por conta dos seus pelos. Ele é uma graça, mas tem o péssimo hábito de fazer xixi onde não deve. Melhorou um pouco com a idade, mas não o suficiente. Por isso vive na rédea curta e proibido de acessar certos espaços (o que, convenhamos, ele aprendeu a respeitar).
Hoje eu acordo, vou para a cozinha e descubro uma mancha no tapete pertinho do fogão. Imediatamente penso no Sansão e o chamo. Pergunto, brava: o que é isso????, apontando para o tapete. Ele baixa a cabeça, olha com aquele olhar absolutamente culpado e deita em posição de subserviência. Faz isso de um jeito tão engraçado que eu desarmo, mas mando que ele saia de dentro de casa. Vou limpar a sujeira. E percebo que me enganei, na verdade a mancha foi provocada por um pano de prato que absorveu água de uma bacia de limões que estava de molho (as geléias, sempre as geléias) e ficou a noite inteira pingando ao lado do fogão. Sinto-me um pouco culpada pela bronca no Sansis. Um pouco. Logo vem a dúvida: o que será que ele realmente fez?

sábado, 11 de setembro de 2010

Relacionamento

Ele resolve fazer um carpaccio. Tira do frezzer, dispõe no prato e avisa: olha prá mim, enquanto eu vou lá embaixo?
Ok.
Depois de um tempo volta. Começa a temperar.
O que a gente põe além de mostarda?
Azeite e queijo ralado.
Ah. Não tem queijo ralado?
Deve ter.
Vê prá mim?
Olho na geladeira e só tem um pouco. Aviso.
Fiquei decepcionado...
(Claro, afinal queijo ralado é do meu departamento).
Ofereço um outro queijo que dá para ralar.
Não é a mesma coisa...
Não.
Eu comprei alcaparra, está fechada.
Tem aberta na geladeira.
Não tem. Já olhei
Tem.
Procura pra mim?
Procuro e acho. Entrego. E escuto:
Viu como você é importante neste relacionamento?