terça-feira, 24 de maio de 2011

Insônia

Vagando pela casa. Com frio. Tá bom, alivio bebendo tequila. Torcendo para ter sono, mas qual. Sem conseguir fazer nada de produtivo. Poderia mexer no texto que tenho que arrumar urgentemente para o Má traduzir. Ou corrigir as mil provas que me esperam com a boca aberta, cheias de dentes pontiagudos. Quem dera. Estou lendo um texto, mas completamente desatenta. É irônico, porque ele é sobre o rádio e fala na escuta desatenta. Bingo. Escuta e leitura. Tenho um livro legal de mistério (a-do-ro). Muito bom mesmo, da Fred Vargas. Se pegar, não largo até amanhã (não sou daquelas que dormem com livros. Nem com TV). E quem vai segurar o amanhã, depois? Texto para corrigir e terminar, provas para corrigir e entregar. Além das outras três ou quatro tarefas do trabalho. E quarta é dia de faxina. Tenho espinafre e agrião que o Má trouxe do sítio para limpar. Tarefas para organizar. Pelo menos ele aprendeu a por o agrião no vaso com água para conservar. Um dia, quem sabe, aprende a limpar e colocar na geladeira. Ou seja, o amanhã (hoje) promete. Nessas horas, lembro com sou parecida com meu pai. Ele trocava a noite pelo dia, nunca trabalhava de manhã. Começava a funcionar à tarde, acordava perto das onze horas. E ia madrugada adentro. Dizia que era o único horário em que a casa ficava quieta e ele conseguia escrever. Pensando bem, até o cachorro dorme. Os únicos barulhos são do teclado e o do relógio atrasado que tenho na cozinha-- com tantos lugares, escrevo na cozinha. Só que eu, por uma conjunção de fatores, trabalho de noite e de manhã. Que acontece ser de madrugada. Meu fuso horário não combina com meu fuso interno. Porque, ao contrário do meu pai, escolhi a convivência com os funcionários, sendo sempre a bailarina. Como diria Caetano, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. O problema reside em que a gente não sabe exatamente o que é. São quase três da matina e eu tenho realmente que dormir. Mas, para finalizar, lembro novamente no meu pai (ok, sou edipiana assumida), que tinha a pachorra de dizer que "um homem relaxado poderia ser um filósofo, mas uma mulher relaxada seria sempre apenas uma mulher relaxada", mas que, ao contrário do restante da humanidade, toda vez que eu me queixava sobre minha existência, dizia: "minha filha, é claro que vc tem o direito de sentir-se assim. Eu no seu lugar, me sentiria muito pior". Às vezes a possibilidade de um telefonema faz muita falta.

Digníssima Profa. Dra. Emérita

Minha mãe foi agraciada com o título de Professora Emérita da Universidade Federal de Santa Catarina. Tudo na maior estica. Com o Digníssimo Professor Doutor Reitor de beca. E todos os outros. Pode parecer que não, mas foi uma cerimônia muito legal. Porque apesar da formalidade da ocasião, a informalidade conseguiu penetrar todos os momentos. Desde a homeangeada que quase caiu da cadeira, os seus ex-alunos (atualmente colegas professores) que entregaram flores e presentes fazendo gestos burlescos, os discursos curtos (sempre os melhores) e emocionantes. O da minha mãe estava bem legal, falando do passado e, principalmente, do presente e do futuro. O que é considerável, se pensarmos que ela está aposentada e absolutamente decidida a continuar trabalhando exatamente como antes - sem tirar nem por. Ou melhor, pondo, que cada dia ela parece arranjar mais coisas para fazer. O mais pitoresco talvez tenham sido as interferências indevidas da minha avó. Que fez a maior manha para ir, imaginem. Estava com medo de atrapalhar a cerimônia tossindo. Bem, ela não tossiu. Mas falou alto em diversas ocasiões impróprias, durantes os discursos, por exemplo - como não escuta bem tem esta tendência. A melhor foi quando o digníssimo reitor estava encerrando a solenidade e a Valéria, sua acompanhante e anjo da guarda, resolveu tirar fotos quase colada no homem. A vó não teve dúvidas, tascou um "como a Valéria é metida" lá do seu canto na primeira fila. Que foi ouvido pelo auditório e fez todo o Conselho Universitário, postado embecado atrás dela, rir e correr o risco de perder a pose. Foi muito bom. Sentimento estranho esse, da gente se orgulhar dos pais, no caso da mãe, com o orgulho que temos dos filhos. E, como fazemos com os filhos, ficar exibindo a mãe para os outros.