sábado, 18 de agosto de 2012

Minha casa

Eu deveria escrever sobre muitas coisas, antes disso. Mas hoje, aqui no por do sol em minha casa, não consigo pensar em mais nada além da explicação simples do porquê não consigo sair daqui. Moro longe de São Paulo. Não tanto, mas longe o suficiente para perder quase uma hora e meia no trânsito. Por isso acordo super cedo, por volta das cinco, quando tenho que dar aulas às sete e meia. E volto para casa por volta da meia noite, porque minhas aulas terminam às onze. Como o trânsito é infernal, nunca volto para casa no meio do dia. E, para compensar, muitas vezes tiro um cochilo vespertino no carro. Para aguentar o tranco. Ou seja, tenho uma vida infernal em termos de horário e, consequentemente, em termos metabólicos.  Nos finais de semana, frequentemente pego várias horas de estrada para ir para o sítio, nosso pequeno pedaço de paraíso na terra. O lógico seria, portanto, abandonar essa casa longínqua, viver em um apertamento em Sampa e investir no espaço do sítio. Foi essa a proposta do Má em minha primeira semana de aulas (quando ele percebe meu horário). Mas hoje, sábado, eu percebo a dificuldade em desapegar desta casa. Estou sozinha, trabalhando, vendo tv, conversando com o gato e o cachorro. E vendo o sol se por pelas amplas janelas da sala. Minha casa é de madeira. A parte de cima inteira. E o sol cai na madeira de um jeito que não dá para imaginar, só vendo. Minha casa é ampla. Agora, que os filhos todos (praticamente) se foram, ela é muito grande. Mas quando eram pequenos, ela cabia perfeitamente para nossa família. Cada um tinha seu quarto, dividíamos de forma quase harmônica os espaços coletivos, que viviam desarrumados por conta da bagunça das três crianças. Tínhamos três cachorros, um de cada filho, e o gato ou gatos. Todos na maior confusão, sempre. Um dia, em terapia, pediram que eu desenhasse minha família. Eu desenhei uma árvore grande e cheia de raízes, para representar meus pais e irmã. E desenhei um circo colorido, para representar meu marido e filhos. Este circo era esta casa de madeira, acolhedora, cheia de árvores. As árvores, aliás, são um capítulo a parte. Além das que eu plantei com meu filho quando esse era bem pequenino, de caroços de frutas que comemos juntos -- uma mangueira, um caquizeiro e um abacateiro-- as outras foram plantadas primeiro por meu pai. Depois pelo Má. Acho que eu errei nos desenhos. Meu circo está repleto de raízes. Por isso, apesar dos pesares, não consigo abandoná-lo.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Politicamente Correto?

A Claudia Dalla tem umas estórias saborosas. Tudo acontece com ela. Como as narrativas que envolvem as dificuldades de se movimentar nestes tempos de direitos específicos. A Dalla acha que muitos idosos, por exemplo, estão perdendo completamente a boa educação. Eu acho que as pessoas nunca melhoram com a idade, só acentuam traços que já possuíam. Falta de educação, por exemplo. Essa conversa toda começou quando contei para ela o estresse que passei no supermercado. Uma "simpática" sra. idosa ficou furiosa comigo porque chegou e eu estava sendo atendida na caixa Preferencial (não Exclusiva, veja bem), para idosos. E brigou comigo e com a caixa, que em vão tentava explicar que, não havendo ninguém nas condições especiais na fila, outras pessoas poderiam ser atendidas. Detalhe: só dois caixas estavam abertos, este e outro sem destinação específica. Mas, como sempre, com a Dalla a coisa ganha outros contornos. Ela estava numa repartição pública e uma idosa pedia informações para a atendente. Que explicou uma vez e a sra. não entendeu. Explicou pela segunda vez e nada. Na terceira, explicou, virou as costas e se esquivou no balcão. A Claudia, solidária, achou uma afronta e falou com a idosa: "que coisa feia, ela deveria ter lhe atendido melhor, o que custa ter paciência?" Para quê. A sra., sentindo-se amparada, começou a gritar para a atendente, que tinha um defeito físico, com um indefectível sotaque português: "ó do pescoço curto, vem cá me atender, pois". E a Dalla ficou lá, atônita e morrendo de vergonha.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O penacho da Isadora

Isadora era conservadora. Ou melhor, uma perfeita integrada ao sistema corporativo. Ao neoliberalismo. Ao grande irmão. Ao capitalismo selvagem e à crença que só os mais aptos devem sobreviver. Funcionária exemplar, não havia uma regra que não conhecesse, um formulário -- em papel ou virtual-- que não usasse, um comentário desairoso sobre alguém que chegasse atrasado (ou faltasse, crime dos crimes), que não fizesse. A rígida eficiência transparecia nos poros. Ou melhor, nas roupas, pq os poros quase não eram mostrados. Sempre conjuntos impecáveis, tom sobre tom. Nada chamativo, uma vida em bege. Ou cinza. Ou preto. Ou preto e branco. Sapatos confortáveis para a correria dentro do escritório, mas elegantes. Nada ostensivo, nada barato nem caro demais. Tudo sempre na medida correta. Isadora não fazia hora extra, pq até o trabalho era na medida. Mas não desperdiçava um minuto sequer do dia. Cafezinho? Só no meio da manhã e no meio da tarde. Um xícara, duas gotas de adoçante. Cinco minutos gastos com cada um. Tomava o cafezinho não porque gostasse, mas porque o acordo coletivo da categoria assim estipulava. Almoçava pontualmente das 12:30 às 13:30. Nem um minuto a mais ou a menos. Isadora era de uma pontualidade soberba. Dava para acertar os relógios pelo seu ritmo, mesmo no início e no fim do horário de verão. Usava geralmente golas que iam até a base do pescoço, delicadamente encontrando o cabelo curto e castanho regular -- a única cor que ela poderia aceitar. Só havia em toda a personalidade transparente de Isadora um único traço fora de lugar: ela cultivava na parte de trás de seus cabelos cuidadosamente cortados, um penacho. Que ia até o meio das costas. Branco, descolorido. Não era exagerado, mas em alguém como a Isadora parecia uma bandeira desfraldada. Um clarão ao longe em uma noite escura. Um estrondo rápido mas certeiro no meio do silêncio. Um cartaz anunciando a todos que Isadora no fundo, no fundo, invejava a transgressão que não tinha coragem de abraçar.

terça-feira, 22 de maio de 2012

No vão da escada

Meu amigo Moisés tornou preciso o significado da expressão portuguesa "no vão de escada". Diz ele: "Diz-se de de uma Escola, de uma loja, de um escritório, etc, com pretensões, mas que afinal é coisa mixuruca e irrelevante. Pode dizer-se de um curso, que seja dado no ' vão de escada' , ou seja, em condições péssimas, em instalações indignas, com professores de segunda ou terceira categoria". Acho que, mesmo sem usar bastante a expressão, no Brasil importamos e levamos o conceito ao paroxismo. Estamos sempre a fazer as coisas no "vão da escada". Sem condições, precariamente. E, muitas vezes, envolvendo gentes de "segunda ou terceira" categoria. Mas sempre pretensiosamente, a pose não pode faltar.

sábado, 19 de maio de 2012

O lattes

O lattes é ótimo.  Todo mundo o odeia, mas ele no fundo no fundo é ótimo. Um currículo on-line. A constatação em tempo real da nossa produtividade. Ou da falta dela. E a constatação em tempo real, cotidiana, inexorável, que coisas que muito importam não pontuam. Tipo trabalhar coletivamente, organizar o coletivo. Porque o que importa mesmo é a produção individual, em revistas e periódicos que muitas vezes, se olharmos bem, não são lá essas coisas. Então, reformulando: a ideia do lattes é ótima. O que nós fazemos dele é que é o problema.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Culpa

De todas as culpas possíveis, a culpa de não escrever no Blog deve ser a mais idiota. Pois é. Mas, como a maioria das culpas, ela paralisa. Em março parei de escrever por causa da reforma que me deixou completamente atordoada (acho que esse era o objetivo inconsciente). Depois, em abril, estava muito cansada de tudo em volta. E fui deixando. As ideias foram passando, eu fui ficando, fui ficando e, de repente, comecei a ter culpa por não ter saco para escrever. O engraçado é que gosto muito de escrever, faz bem, desopila o fígado e a alma. Talvez por isso bata a culpa: pq eu gosto e não faço. É a culpa do tipo não-cuido-de-mim-mesma. Parecida com aquela de não fazer ginástica e furar a dieta. Tá vendo como escrever faz bem? Colocar tudo isso no "papel", por assim dizer, não deixa dúvidas: as culpas são na maioria das vezes completamente rí-dí-cu-las. Preto no branco. Só.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Reforma

Chego em casa e ele diz: olha, quando fui mover o armário para a reforma, quebrei umas taças.
Umas quanto?
Umas.
Duas?
Não, um pouco mais. Vc não sentiu falta?
Bem que eu notei que a cristaleira estava mais vazia, respondo começando a sofrer.
Então, quebrei umas.
Quantas???
Não quer contar?
Melhor não. Melhor mesmo é de-sa-pe-gar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Você sabe que

Está difícil quando (tipo coleção Amar é... lembra?):
O pedreiro começa a desmontar o banheiro ao lado e vc, mesmo assim, dorme mais uma horinha.
Vc resolve ir pagar as contas no banco e não pela internet pq não aguenta teclar.
O pensamento entra na cabeça e dissolve que nem pum com luftal.
Vc acha coisas bem interessantes para ficar olhando no espaço vazio aí da frente.
Qualquer coisa é desculpa para levantar e esquecer o que ia fazer (ou estava fazendo).
Vc passa mais tempo olhando pela janela do que para o monitor.
Vc fica com muuuuuuita preguiça de continuar blogando...