sexta-feira, 25 de maio de 2012

Politicamente Correto?

A Claudia Dalla tem umas estórias saborosas. Tudo acontece com ela. Como as narrativas que envolvem as dificuldades de se movimentar nestes tempos de direitos específicos. A Dalla acha que muitos idosos, por exemplo, estão perdendo completamente a boa educação. Eu acho que as pessoas nunca melhoram com a idade, só acentuam traços que já possuíam. Falta de educação, por exemplo. Essa conversa toda começou quando contei para ela o estresse que passei no supermercado. Uma "simpática" sra. idosa ficou furiosa comigo porque chegou e eu estava sendo atendida na caixa Preferencial (não Exclusiva, veja bem), para idosos. E brigou comigo e com a caixa, que em vão tentava explicar que, não havendo ninguém nas condições especiais na fila, outras pessoas poderiam ser atendidas. Detalhe: só dois caixas estavam abertos, este e outro sem destinação específica. Mas, como sempre, com a Dalla a coisa ganha outros contornos. Ela estava numa repartição pública e uma idosa pedia informações para a atendente. Que explicou uma vez e a sra. não entendeu. Explicou pela segunda vez e nada. Na terceira, explicou, virou as costas e se esquivou no balcão. A Claudia, solidária, achou uma afronta e falou com a idosa: "que coisa feia, ela deveria ter lhe atendido melhor, o que custa ter paciência?" Para quê. A sra., sentindo-se amparada, começou a gritar para a atendente, que tinha um defeito físico, com um indefectível sotaque português: "ó do pescoço curto, vem cá me atender, pois". E a Dalla ficou lá, atônita e morrendo de vergonha.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O penacho da Isadora

Isadora era conservadora. Ou melhor, uma perfeita integrada ao sistema corporativo. Ao neoliberalismo. Ao grande irmão. Ao capitalismo selvagem e à crença que só os mais aptos devem sobreviver. Funcionária exemplar, não havia uma regra que não conhecesse, um formulário -- em papel ou virtual-- que não usasse, um comentário desairoso sobre alguém que chegasse atrasado (ou faltasse, crime dos crimes), que não fizesse. A rígida eficiência transparecia nos poros. Ou melhor, nas roupas, pq os poros quase não eram mostrados. Sempre conjuntos impecáveis, tom sobre tom. Nada chamativo, uma vida em bege. Ou cinza. Ou preto. Ou preto e branco. Sapatos confortáveis para a correria dentro do escritório, mas elegantes. Nada ostensivo, nada barato nem caro demais. Tudo sempre na medida correta. Isadora não fazia hora extra, pq até o trabalho era na medida. Mas não desperdiçava um minuto sequer do dia. Cafezinho? Só no meio da manhã e no meio da tarde. Um xícara, duas gotas de adoçante. Cinco minutos gastos com cada um. Tomava o cafezinho não porque gostasse, mas porque o acordo coletivo da categoria assim estipulava. Almoçava pontualmente das 12:30 às 13:30. Nem um minuto a mais ou a menos. Isadora era de uma pontualidade soberba. Dava para acertar os relógios pelo seu ritmo, mesmo no início e no fim do horário de verão. Usava geralmente golas que iam até a base do pescoço, delicadamente encontrando o cabelo curto e castanho regular -- a única cor que ela poderia aceitar. Só havia em toda a personalidade transparente de Isadora um único traço fora de lugar: ela cultivava na parte de trás de seus cabelos cuidadosamente cortados, um penacho. Que ia até o meio das costas. Branco, descolorido. Não era exagerado, mas em alguém como a Isadora parecia uma bandeira desfraldada. Um clarão ao longe em uma noite escura. Um estrondo rápido mas certeiro no meio do silêncio. Um cartaz anunciando a todos que Isadora no fundo, no fundo, invejava a transgressão que não tinha coragem de abraçar.

terça-feira, 22 de maio de 2012

No vão da escada

Meu amigo Moisés tornou preciso o significado da expressão portuguesa "no vão de escada". Diz ele: "Diz-se de de uma Escola, de uma loja, de um escritório, etc, com pretensões, mas que afinal é coisa mixuruca e irrelevante. Pode dizer-se de um curso, que seja dado no ' vão de escada' , ou seja, em condições péssimas, em instalações indignas, com professores de segunda ou terceira categoria". Acho que, mesmo sem usar bastante a expressão, no Brasil importamos e levamos o conceito ao paroxismo. Estamos sempre a fazer as coisas no "vão da escada". Sem condições, precariamente. E, muitas vezes, envolvendo gentes de "segunda ou terceira" categoria. Mas sempre pretensiosamente, a pose não pode faltar.

sábado, 19 de maio de 2012

O lattes

O lattes é ótimo.  Todo mundo o odeia, mas ele no fundo no fundo é ótimo. Um currículo on-line. A constatação em tempo real da nossa produtividade. Ou da falta dela. E a constatação em tempo real, cotidiana, inexorável, que coisas que muito importam não pontuam. Tipo trabalhar coletivamente, organizar o coletivo. Porque o que importa mesmo é a produção individual, em revistas e periódicos que muitas vezes, se olharmos bem, não são lá essas coisas. Então, reformulando: a ideia do lattes é ótima. O que nós fazemos dele é que é o problema.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Culpa

De todas as culpas possíveis, a culpa de não escrever no Blog deve ser a mais idiota. Pois é. Mas, como a maioria das culpas, ela paralisa. Em março parei de escrever por causa da reforma que me deixou completamente atordoada (acho que esse era o objetivo inconsciente). Depois, em abril, estava muito cansada de tudo em volta. E fui deixando. As ideias foram passando, eu fui ficando, fui ficando e, de repente, comecei a ter culpa por não ter saco para escrever. O engraçado é que gosto muito de escrever, faz bem, desopila o fígado e a alma. Talvez por isso bata a culpa: pq eu gosto e não faço. É a culpa do tipo não-cuido-de-mim-mesma. Parecida com aquela de não fazer ginástica e furar a dieta. Tá vendo como escrever faz bem? Colocar tudo isso no "papel", por assim dizer, não deixa dúvidas: as culpas são na maioria das vezes completamente rí-dí-cu-las. Preto no branco. Só.