quinta-feira, 24 de maio de 2012

O penacho da Isadora

Isadora era conservadora. Ou melhor, uma perfeita integrada ao sistema corporativo. Ao neoliberalismo. Ao grande irmão. Ao capitalismo selvagem e à crença que só os mais aptos devem sobreviver. Funcionária exemplar, não havia uma regra que não conhecesse, um formulário -- em papel ou virtual-- que não usasse, um comentário desairoso sobre alguém que chegasse atrasado (ou faltasse, crime dos crimes), que não fizesse. A rígida eficiência transparecia nos poros. Ou melhor, nas roupas, pq os poros quase não eram mostrados. Sempre conjuntos impecáveis, tom sobre tom. Nada chamativo, uma vida em bege. Ou cinza. Ou preto. Ou preto e branco. Sapatos confortáveis para a correria dentro do escritório, mas elegantes. Nada ostensivo, nada barato nem caro demais. Tudo sempre na medida correta. Isadora não fazia hora extra, pq até o trabalho era na medida. Mas não desperdiçava um minuto sequer do dia. Cafezinho? Só no meio da manhã e no meio da tarde. Um xícara, duas gotas de adoçante. Cinco minutos gastos com cada um. Tomava o cafezinho não porque gostasse, mas porque o acordo coletivo da categoria assim estipulava. Almoçava pontualmente das 12:30 às 13:30. Nem um minuto a mais ou a menos. Isadora era de uma pontualidade soberba. Dava para acertar os relógios pelo seu ritmo, mesmo no início e no fim do horário de verão. Usava geralmente golas que iam até a base do pescoço, delicadamente encontrando o cabelo curto e castanho regular -- a única cor que ela poderia aceitar. Só havia em toda a personalidade transparente de Isadora um único traço fora de lugar: ela cultivava na parte de trás de seus cabelos cuidadosamente cortados, um penacho. Que ia até o meio das costas. Branco, descolorido. Não era exagerado, mas em alguém como a Isadora parecia uma bandeira desfraldada. Um clarão ao longe em uma noite escura. Um estrondo rápido mas certeiro no meio do silêncio. Um cartaz anunciando a todos que Isadora no fundo, no fundo, invejava a transgressão que não tinha coragem de abraçar.

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